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PRESS

Por Mauro Ferreira, G1

28/12/2017

Cibele Codonho exibe afinidade vocal com

a melhor música brasileira em CD refinado

Entrar na Casa de marimbondo (1975), um dos sambas mais sincopados e sofisticados da lavra de João Bosco com Aldir Blanc, é proeza encarada somente por cantoras conhecedoras das ricas possibilidades harmônicas da música brasileira. Paulistana criada no bairro da Mooca, filha do violonista e cantor Odecio Codonho (do Trio Tambatajá), Cibele Codonho não somente cai bem no samba de Bosco e Blanc como remodela a arquitetura da Casa de marimbondo com malabarismos vocais que remetem ao passado da intérprete como líder do grupo vocal A Três, com quem lançou há 19 anos um álbum intitulado justamente Vocalise (1998).

A exuberante abordagem de Casa de marimbondo abre Afinidade (Eldorado), primeiro álbum solo dessa cantora que já deu frescor ao cancioneiro soberano de Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994) em disco, Tom brasileiro (2005), dividido com Filó Machado. Curiosamente, no fecho do álbum Afinidade, outro samba – Vatapá (Joyce Moreno e Léa Freire, 1996), temperado com pitadas de jazz – remete ao universo sincopado de Bosco e Blanc com a mesma efervescência vocal da cantora, em swingueira compartilhada com o mesmo Filó Machado.

Ainda promovido com shows feitos pela artista na cidade natal de São Paulo (SP), um ano após ter sido lançado em dezembro de 2016, o álbum Afinidade reitera a segurança e o frescor da voz dessa cantora capaz de abordar uma canção pouco ouvida de Milton Nascimento e Fernando Brant (1946 – 2015), Coisas da vida (1990), no mesmo alto nível da gravação original do divino Milton. A afinação, a extensão e a beleza da voz de Cibele também transparecem nas notas e nas dissonâncias da jazzística Blue note (Filó Machado e Fátima Guedes, 1983), outro exemplo de como pautar um repertório por regravações fora do trilho da obviedade.

Ao lado do pianista Pichu Borrelli (diretor musical e arranjador do disco), do baixista Sidiel Vieira, do baterista Sergio Machado e do guitarrista Luis Cavalcante, Cibele Codonho mostra afinidade com harmonias complexas e arranjos vocais intrincados. Não por acaso, o repertório inclui abordagens de músicas de compositores como Dori Caymmi (Rio Amazonas, na versão em português com letra de Paulo César Pinheiro lançada em disco no Brasil em 2010), Edu Lobo (Vento bravo, com letra do mesmo Pinheiro, apresentada na voz de Lobo em álbum de 1973, e com arranjo inebriante), Johnny Alf (1929 – 2010) – compositor presente com o samba-canção Dois corações (1984) – e João Donato (A paz, canção zen composta com Gilberto Gil e lançada por Zizi Possi em 1987).

Líder do grupo vocal norte-americano Take 6, Mark Kibble faz dueto com Cibele no registro bilíngue de Love dance / Lembrança (Ivan Lins, Vitor Martins e Gilson Peranzzetta, 1981, com letra em inglês de Paul Williams, 1988). Segura a ponto de dar acento de R&B ao rock Mamãe natureza (Rita Lee, 1974), a cantora ainda festeja o escritor baiano Jorge Amado (1912 – 2001) no passo da ciranda que move Amado (Rafael Altério e Rita Altério). Amostras da afinidade de Cibele Codonho com o afluente mais caudaloso do longo rio da música brasileira.


 

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