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Sem Noção – “Afinidade”, por Ná Ozzetti

Por Carlos Bozzo Junior

O Música em Letras convidou a cantora e compositora Ná Ozzetti, 58, para participar da série Sem Noção (veja posts anteriores) que realiza audições às cegas de discos recém-lançados no mercado brasileiro.

A artista, que gravou 12 discos, ouviu “Afinidade”, CD da cantora Cibele Codonho, em um ambiente que lhe é muito familiar, o parque Fernando Costa, conhecido por parque da Água Branca, na zona oeste de São Paulo.

Ná Ozzetti mora há 16 anos em um sítio, em Santa Clara, bairro da Serra do Japi, Jundiaí, cerca de 55 quilômetros da capital. “Eu fui criada aqui na Água Branca, depois morei em Perdizes. Gosto muito desse lugar, vinha muito aqui”, disse a artista.

A mudança da capital para o interior melhorou a qualidade de vida da cantora e aguçou seus ouvidos. Em São Paulo, Ná Ozzetti tinha que enfrentar o ruído de motos e carros que subiam a ladeira de sua rua, anunciando-se quarteirões antes de passar por sua casa, o que nela provocou uma insônia crônica. “Não tomo remédios, por isso, de 15 em 15 dias, tinha que fazer uma sessão de acupuntura. Era a única coisa que me fazia dormir, mas durava só 15 dias. Aí, tinha que colocar as agulhas de novo”, disse a cantora que com a mudança de São Paulo se curou da insônia e de uma rinite alérgica.

Contudo, para a cantora o silêncio absoluto não existe, nem no mato. Segundo ela, há sons de bichos durante todo o dia, apesar de ser possível sentir uma profundeza imensa no silêncio por trás das vozes e ruídos da bicharada. “Aqui, na cidade, não se chega nesse silêncio profundo, tem sempre um ruído. Lá eu percebo que me afundo nesse silêncio, embora ouça outras frequências também.”

A quietude da noite do mato é sempre rompida pela festa de sons que inaugura o dia. É Ná Ozzetti quem conta como é esse concerto matinal e natural: “Lá, acordo com o som dos galos, depois vem os jacus, e aí fica cheio de passarinhos”, disse a cantora ressaltando que alguns pássaros só dão o som de sua graça no período da tarde, como os tucanos que ela reconhece por terem um canto “meio seco. Trrrr, trrr, trrrr”, imitou-os trinando.

Duas vezes por semana, a artista deixa o mato e vem para a cidade dirigindo e ouvindo. “Estudo muito no carro, não vocalise, que não dá para fazer no carro, mas quando tenho que aprender repertório novo, o melhor lugar é o carro”, contou Ozzetti que, além de estudar, aproveita os 40 minutos da viagem para ouvir discos de outros artistas ou o rádio, que “adora”, mas quando se ouve “levo um susto”, contou rindo.

Foi no carro, dentro do estacionamento do parque, que Ná Ozzetti realizou a audição proposta pelo Música em Letras. A artista comentou que tem realizado shows de seus último discos, o “Ná e Zé” (2015), com José Miguel Wisnik; “Thiago França” (2015), com o grupo Passo Torto, formado por Kiko Dinucci, Marcelo Cabral, Rodrigo Campos e Romulo Fróes; e “Balagandãs” (2009).

Concomitantemente aos shows, Ná Ozzetti está compondo músicas novas e preparando projetos paralelos que abarcam visões díspares. “São projetos que estão em plena concepção. Estou com várias ideias. Lido um pouco com uma ideia e depois com outra, e por isso, nunca sei antes o que vai sair”, disse a artista sobre um projeto que abarca releituras e outra mais experimental, mas “ainda está muito cru para explicar sobre o que é”.

A cantora ouviu o disco proposto sem ter nenhuma dica de seus autores, intérpretes ou músicos.

No CD, ritmos brasileiros (samba, baião, ciranda) se misturam ao jazz. Participações especiais abrilhantam o disco, como a de Mark Kibble,  líder do grupo vocal americano Take 6. Kibble ataca de duo com Codonho na faixa seis, “Love Dance / Lembrança”, de Ivan Lins, Gilson Peranzzetta, Paul Williams e Vitor Martins. Filó Machado participa da faixa 13, “Vatapá”, de Léa Freire e Joyce Moreno.

As fotos de capa e do encarte do CD são de autoria de Marco Aurélio Olimpio (capa); Agnaldo Rocha Papa (capa do encarte); Paulo Rapoport,Wanzza Vieira, Bruñel Galhego, Sandro Takahashi e Agnaldo Rocha Papa (fotos dos músicos).

Design gráfico, Carlos Dränger; direção de arte, José Sebastião Maria de Souza; figurinos, Elaine Navarini; personal stylist, Monica Regatto; maquiagem e cabelo, Mychele Pavão, Priscila Delfino Eleandro Pires.

Entre os músicos, Pichu Borrelli ( piano, synth, faixa 1; cuatro venezuelano, piano elétrico e acústico, faixa 2; piano acústico, faixa 3; clavinet, synth, piano elétrico e acústico, faixa 4; piano e cuatro venezuelano, faixa 5; piano acústico, faixa 6; teclados, piano acústico e elétrico, faixa 7; violões, faixa 8; baixo, piano acústico e elétrico, faixa 9; piano e teclado, faixa 10; piano, teclado e ukulele; e piano acústico, faixa 12).

Luis Cavalcante (baixo elétrico e guitarra, faixa 1; guitarra, faixa 9; e baixo elétrico na faixa 12). Fabio Canella (bateria, faixa 1, 9 e 11). Douglas Alonso (percussão faixas 1, 2, 3, 5, 7, 8, 9, 10 e 11). Natan Marques (guitarra, faixa 2). Carlinhos Antunes (Kora n´goni, faixa 2 e 8; cuatro venezuelano, faixa 8 ). Sidiel Vieira (baixo elétrico, faixa 2; baixo acústico faixa 3, 5, 6, 7, 8 e 11). Sergio Machado (bateria e malets, faixa 2, 6, 7 e 10). Léa Freire (flautas, faixa 3; flauta baixo, faixa 6). Jorge Saavedra (bateria, faixa 3, 5; e bongô, congas e bateria, faixa 12 ). Filó Machado (violão e voz, faixa 11). Roberto Sion (clarinete, faixa 4). Mauro Casellatto (clarone, faixa 4). Sizão Machado (baixo acústico, faixa 4). Michel Freidenson (organ B4, faixa 10). Wilson Teixeira (sax alto, faixa 10).  Lewis Nash (bateria, faixa 4). Toninho Ferragutti, faixa 5). Walter Lacerda (flautas, faixa 5 e 7). Mark Kibble (vocal, faixa 6). Cibele Codonho (vocal, todas as faixas).

Leia, a seguir, as impressões de Ná Ozzetti sobre “Afinidade”, disco solo de Cibele Codonho, com 12 faixas, direção musical e arranjos de Pichu Borrelli, produção e mixagem dos dois. A masterização ficou por conta de Homero Lotito, o “homem morcego”.

FAIXA 1 “Casa de Marimbondo”, de João Bosco e Aldir Blanc

 “Achei bem interessante. Não faço ideia de quem seja. Tentei reconhecer esse timbre, mas não conheço. Superinteressante essa coisa rítmica. O que eu mais gostei da performance vocal foi justamente a parte instrumental da voz. Adorei as sobreposições de voz. Eu não conheço essa música; deve ser composição própria, ou inédita. Lembra um pouco alguma coisa da Elis Regina, na linha do César Mariano. Esse piano e o jeito dela cantar, acho que tem muita influência da Elis. Mas o que me encantou foi a forma como ela lida com os vocalises, porque fica uma coisa mais pessoal.”

 

FAIXA 2 “Coisas da Vida”, de Milton Nascimento e Fernando Brant

 “Muito bom. Gostei muito desse trabalho instrumental. Adorei o baixo [Sidiel Vieira] nessa música e esse piano suingado, bem na linha do César Mariano. Fico até curiosa de saber quem é a cantora, quem são os músicos, porque achei bacana mesmo. Pelo que noto, apesar de estar ainda na segunda faixa, o disco tem uma grande unidade, tem uma banda concebendo ali. A impressão é que se trata de um trabalho em grupo. Nas duas primeiras faixas, tem a marca de um som, uma linguagem, mas vamos ouvir as próximas. ”

 

FAIXA 3 “Rio Amazonas”, de Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro

 “Lindíssimo! Adorei essa faixa. A música é linda e o arranjo é matador. Nessa faixa, ela colocou a voz de uma forma mais suave, mais dentro do arranjo. Pode ser que isso seja dela ou uma coisa de mix [mixagem]. É uma coisa pessoal. Eu gosto mais assim porque ela navega junto com os instrumentos. O arranjo também favorece isso, com o timbre das flautas se aproximando mais da voz. A voz está em destaque, mas está junto. Isso é um detalhe porque o arranjo inteiro é lindo, rico, cheio de acontecimentos e dinâmicas diferentes. Essa faixa faz a gente chegar, aterrissar no disco.”

 

FAIXA 4 “Blue Note”, de Filó Machado e Fátima Guedes

 “Sensacional. Gostei da introdução da música que tem um groove bem legal. Ele se mantém na estrutura durante a música, mas vai mudando, evoluindo. Durante a execução, acontece um monte de coisas, entram e saem outros instrumentos e a voz dela faz um contraponto com isso, em meio a uma coisa rítmica, mas que fica pairando enquanto ela canta. Depois entra uma parte instrumental e a cantora chega como mais um instrumento, fazendo parte do grovee, mas realizando um outro tipo de contraponto que o da canção. É muito interessante isso. Outro arranjo muito rico e performance impecável.”

 

FAIXA 5 “Amado”, de Rafael Altério e Rita Altério

 “Bacana. Uma marcha rancho, né? Entrou um elemento novo, com outro timbre, o acordeom. Muito bonita a levada. Gostei muito do comando da bateria [percussão Douglas Alonso] também. Aqui, começo a perceber que esse é um disco que tem uma proposta pelas letras; todas falam de Brasil. Acho que tem uma coisa meio temática, preocupada com  Brasil.”

 

FAIXA 6 “Love Dance/ Lembrança”, de Ivan Lins, Gilson Peranzzetta, Paul Williams e Vitor Martins

“Bela condução. Gostei logo no começo, com a introdução, da forma como a música é conduzida. Entrou um

cantor que também não reconheci. Ficou muito bonito esse diálogo entre as duas vozes. Volto a notar uma suavidade. Quando a cantora faz uma coisa mais suave, tendo a gostar mais do timbre da voz. O tipo de arranjo também colabora. Aqui ela está mais colada nos instrumentos de novo. Eu gosto disso. O cantor faz isso também, mas em outra tessitura, o que facilita porque a música não tem tantos agudos. Ele está nessa região e ela não. Mas é legal porque como ela está na ponta mais aguda, suaviza completando essa gama de tessitura. Essa condução também ficou lindíssima.”

 

FAIXA 7 “Vento Bravo”, de Edu Lobo e Paulo César Pinheiro

 “Acho que essa é uma das faixas que eu mais gostei. A música é linda e o arranjo maravilhoso. E a performance dela é sensacional. Gostei muito mesmo, realmente me pegou muito no todo, com as flautas e percussão. Tudo lindo.”

 

FAIXA 8 “Mi Canción”, de Hugo Fattoruso

 “Aqui entra um instrumento diferente, étnico [ kora n´goni, instrumento africano tocado por Carlinhos Antunes], muito sonoro, que achei que fosse uma kalimba no começo, mas com outro timbre e mais harmônicos. E a música passa a não ser conduzida pelo piano como foram as outras, mas por esse instrumento. Bem legal essa faixa também.”

 

FAIXA 9 “Dois Corações”, de Johnny Alf

“Balada bonita. Gostei da canção. Ela segue essa unidade do disco. A interpretação é linda.”

 

FAIXA 10 “Mamãe Natureza”, de Rita Lee

​“Muito boa essa versão. Nessa música da Rita Lee é muito difícil escapar da versão original e achei legal que eles levaram para um outro lado mais inesperado. Os instrumentos ‘piram’ mais do que o canto.  A cantora faz umas brincadeiras muito legais, mas acho que ela podia ‘pirar’ um pouco mais nessa música que é um escracho. Em outras faixas eu a ouvi ‘pirar’ mais com outros vocalises, mas isso é uma coisa pessoal.”

FAIXA 11 “A Paz”, de João Donato e Gilberto Gil

 “Lindíssima a versão. Tem um violão lindo [ukulele tocado por Pichu Borrelli] que soma muito com o piano. Muito bem feito esse arranjo. A interpretação está linda e a finalização também, porque não se espera por aquilo que te leva suavemente para outro lugar. Excelente tudo, arranjo e interpretação. ”

 

FAIXA 12 “Vatapá”, de Léa Freire e Joyce Moreno

 “Muito boa a faixa. Ela começa com uns vocais que eu adorei. A cantora arrasa nos vocais e nas performances perfeitas. Fiquei muito de olho na voz e na suingueira. Estou muito curiosa para saber quem são os músicos. Essa turma que está tocando com ela realmente é campeã. Tem a participação muito legal desse cantor que faz uns vocalises no final. Não sei quem é, e nem se é o mesmo que cantou na faixa anterior, em inglês, mas gostei. Muito bom mesmo.”

AVALIAÇÃO PONTUAL

 

INTÉRPRETE
“Muito bom.”

 

COMPOSIÇÕES
“Muito bom.”

 

HARMONIA
“Muito bom.”

 

RITMO
“Muito bom.”

 

MELODIA
“Muito bom.”

 

ARRANJO
“Ótimo.”

 

SOM (CAPTAÇÃO, MIXAGEM E MASTERIZAÇÃO)
“Ótimo.”

 

CONSIDERAÇÕES GERAIS

“Esse disco tem excelência. Foi muito bem gravado, trabalhado e tem uma unidade de arranjos, escolha de repertório e de sonoridade, por mais que entre um instrumento ou outro diferente nas faixas, além de ter uma unidade também na concepção musical. É um disco que conta uma história, não só de temas de músicas, mas uma história sonora e musical. Uma história de uma viagem, de uma linguagem. Então o disco tem essa excelência que faz dele um discão.”

 

CD REVELADO

Após a audição às cegas, foi revelado a Ná Ozzetti que “Afinidade” é o disco solo da cantora Cibele Codonho. Um breve histórico sobre a carreira do artista também foi fornecido a Ná Ozzetti, assim como todas as outras informações sobre o CD, seus participantes e ficha técnica.

Diante das revelações, Ná Ozzetti complementou sua avaliação: “Quero dizer novamente que o disco tem essa excelência, é um discão. A performance dela é poderosa, especialmente na coisa instrumental da voz. Poderosa mesmo, mais do que na interpretação das canções. Estou dizendo isso porque minha praia é mais das canções, fico muito no sentido das palavras e por isso tenho um ouvido mais voltado para essa escuta. Quero que ela entenda que é um comentário muito pessoal de quem tem essa vivência. De quem veio do Grupo Rumo, com canto falado e etc. É lindo esse disco. Ela é uma grande intérprete e os músicos são maravilhosos, incríveis. Deu para notar que há um timão aí e ela está no mesmo patamar, com performance vocal de instrumentista. Além de ser uma excelente performer, ela é muito criativa nos arranjos vocais, porque eles não são nada ‘lugar comum’. Tem uma coisa muito original neles. Se eu fosse ela e tivesse toda essa desenvoltura ‘pirava’ mais na coisa vocal. Faria um disco quase que instrumental, ‘pirando’ mesmo nesses vocais porque são lindos. Faria um disco com esse timão mesmo, explorando muito mais esses vocais. Embora ela tenha explorado bastante, o que dá muito valor ao disco.”

Perguntada se há espaço para esse disco no mercado, Ná Ozzetti respondeu: “Claro que tem. Tem lugar para tudo no mercado. A questão é você fazer chegar até as pessoas. Então tem que fazer um trabalho de divulgação. O mercado está aberto e fechado ao mesmo tempo. Se você pensar no macro, ele está restrito a  uma coisa de massa. No caso desse disco há mercado nacional e muito internacional. Esse é um disco universal.”

Sobre a escolha do CD “Afinidade” para ser avaliado, Ná Ozzetti comentou: “Gostei muito! É um disco maravilhoso, um discão como eu falei, de uma excelência em performance e em tudo. É muito bem feito e dentro de um estilo que eu quase não ouço. Tanto que eu não conhecia a intérprete, porque minha escuta está muito voltada para outros tipos de trabalho. Para mim foi muito legal fazer essa escuta profunda, faixa a faixa, em que você tem de prestar  atenção e ter essa responsabilidade de perceber todos os detalhes. Curti muito.”

 

AVALIAÇÃO DE NÁ OZZETTI

“Ótimo”

Capa do CD “Afinidade” (Foto: Carlos Bozzo Junior)

CD AFINIDADE
ARTISTA Cibele Codonho
GRAVADORA Eldorado
QUANTO R$ 25

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